Friday, July 6, 2007

Pois! café

A música de fundo inunda a sala de uma tranquilidade abstracta e de um acolhimento introvertido, virado para dentro. Do fundo da cozinha, de onde vem o cheiro do lugar, até ao princípio da primeira mesa, [onde habita aquele livro que ficou por ler, agora amado pelos olhos de outro], os passos não se ouvem, nem se vêem, sentem-se, somente, no soalho que vibra por debaixo da arca, sobre a qual tenho os pés.
O silêncio solta-se nessas notas musicais, que vão ficando presas no magnete dos postais nos placares da parede. A sua aura eléctrica e química, pulsa nas ideias, aclara-as, domina-as, transforma-as e transporta-as para qualquer outro lugar, impreciso, dinâmico e cheio de ecos dos momentos que passam diante dos olhos, lenta e sofregamente, como se de uma hipnose se tratasse. Como se quase pudesse levitar do sofá para as ruas de Alfama, para as ruas do mundo, de outros reinos, de outros espaços, de outras memórias e de outros futuros. Como se ao conseguir fazê-lo, mesmo que só por uns instantes, inconstantes e no infinito espaço da imaginação, a sensação de leveza se instaurasse e o preconceito da mente se difundisse por entre os dedos.
Ali, aqui, agora, só o que se sente preenche, abala e remexe, nessa lufada de ar fresco que o vento transporta. A noção de tempo, esse, perde-se então nos encontros mnésicos e agradáveis que o “Pois!café” me oferece.
Gosto de me perder, por vezes.
Porque afinal, que importância tem o que não importa?


"Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não."
Sophia de Mello Breyner Andresen
(Só porque eu gosto)

2 comments:

Kai Mia Mera said...

AH...Também já “O” descobriste! E pelos visto soubeste-te perder para depois te encontrares nesse grito silencioso que Sophia partilhou.

O grau de importância está na escala que utilizamos, qual é a tua escala?

“Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento”

Beijinho, beijinho

Satya said...

Ja o tinha descoberto à algum tempo! ;P
Sabe bem estar la.